Em um país assolado pela pandemia do COVID-19, podemos ver de forma mais clara
as desigualdades socioeconômicas, que descendem desde o período colonial e acabam
prejudicando ainda mais a educação de várias gerações.
Por Carol Tomé, texto inspirado em nosso episodio #004 - Educação a distancia pra quem?
Desde sua época colonial em 1800, a educação estava em pauta no Brasil, seja no
início de sua formação, com os jesuítas ensinando os índios e negros a ler, em prol de
catequizá-los ou com a necessidade das famílias ricas de educar seus descendentes.
Famílias essas que decidiram ter residência fixa no país, após a vinda da família real
para cá, porém engana-se quem acredita que esse processo foi simples e democrático. O privilégio de estudar, era reservado a poucos, como a elite e a quem pudesse pagar
pelo ensino.
Antônio Eugênio Cunha, diretor da FENEP, Federação Nacional das Escolas
Particulares, comenta em sua dissertação “A história da educação privada brasileira e
o princípio democrático da livre iniciativa” de 2014, como era o ensino do pais em 1831;
“O ensino no país dividia-se em; Ensino público primário e gratuito, em estado de
abandono; Ensino secundário, privado e pago, mantido pelas famílias dotadas de
recursos em função de seu acesso aos estabelecimentos de ensino superior. Em ambos
os casos os setores populares se viram abandonados por parte do Estado a quem
recaía o dever constitucional da oferta escolar.”
Essa fala reflete parte da realidade do ensino educacional brasileiro no século XXI,
mesmo depois de quase 190 anos de diferença. Com a quarentena causada devido a
pandemia do COVID-19, estudantes de todo país tiveram que aderir ao ensino EAD,
Educação a Distância, porém a diferença de absorção de conteúdo e acesso ao
aprendizado, trazem à tona questões correspondentes a desigualdade socioeconômica
do Brasil.
Segundo dados do IBGE, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, referente a
uma pesquisa de 2018, que classifica o Acesso à Internet em casa, por faixas de renda
e idade, que foi publicado em uma matéria no site do Jornal Nexo, em 28 de maio de
2020, o acesso de pessoas com a renda de um salário mínimo é 20% menor do que o
acesso a famílias com renda de cinco salários mínimos ou mais. Em zonas rurais, o
reflexo da desigualdade é ainda maior, pois jovens de 9 a 17 anos de zonas rurais tem
30% menos disponibilidade de acesso à internet, do que jovens da mesma faixa etária
de locais urbanizados. E como essas crianças e adolescentes vão dar continuidade aos
seus estudos, em tempos tão difíceis, já que somente, quem tem o privilégio de ter
acesso a internet e aparelhos eletrônicos de qualidade, pode estudar e se preparar para
o vestibular, por exemplo?
Dentro dessas perspectivas, vemos casos como o aumento de 10 vezes das
transferências de alunos de escolas particulares no estado de São Paulo, essa decisão
dos pais reflete a busca pela qualidade de educação, que algumas escolas públicas
acabam não oferecendo. Ademais quando se fala de acesso à educação superior no
país, observa-se que muitas pessoas que vão para as universidades públicas vêm de
ensinos particulares, que tem base no argumento falado anteriormente. Em contrapartida as faculdades particulares acabam sendo a solução de muitos indivíduos que pagam em prol de sua formação, ou que vieram de escolas publicas e não se vem adentrando as faculdade concorridas como USP, UNESP ou UNICAMP, no caso de São Paulo. Esses estudantes muitas vezes têm jornadas duplas de trabalho e estudos, para pagar pelo seu aprendizado, podendo gerar uma sobrecarga física e psicológica pelo alto nível de responsabilidades.
De acordo com o Art. 205 da constituição a “A educação, direito de todos e dever do
Estado e da família (...)”, e o Estado deve prover educação de qualidade aos seus
indivíduos de forma gratuita e igualitária, desde do ensino infantil até o ensino superior,
porém vemos uma disparidade, por exemplo, enquanto a USP, Universidade de São
Paulo é reconhecida internacionalmente por sua qualidade, escolas públicas e
estaduais sofrem com falta de verba e professores.
A lógica capitalista e neoliberal que visa a privatização de vários setores, inclusive a
educação, está presente de forma latente na sociedade, e usa da falha do Estado, aliada
da necessidade dos indivíduos da busca de um futuro de qualidade, para comercializar
a educação como mercadoria. Em uma das falas do filosofo alemão Karl Marx, ele diz
como a luta de classes interfere na educação “Toda luta de classes é uma luta política
[...]. A burguesia mesma, portanto, fornece ao proletariado os elementos de sua própria
educação, isto é, armas contra si mesma [...]. Com o progresso da indústria frações
inteiras da classe dominante são lançadas no proletariado [...] também elas fornecem
ao proletariado uma massa de elementos de educação”.
Infelizmente a elite dominante define onde seus filhos vão estudar e o quais privilégios
vão ter acesso, isso com base em suas vontades e poder aquisitivo. Em contrapartida
o proletariado conta com o Estado que por sua vez, costuma falhar em sua missão de
educar. E cada vez mais empresas, escolas, cursos de forma paga são abertos no país.
É por isso que a luta por equidade e políticas públicas que alterem esse cenário são
cada vez mais necessárias, e precisam ser defendidas pela população, principalmente
a partir de uma escolha de voto mais consciente, porém esse senso crítico só é adquirido
com estudo e acesso a educação de qualidade.
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