Por Gui Tailer.
“Você está cancelado!” Essa frase talvez seja um dos medos atuais dos artistas, em um tempo onde a todo momento eles são vigiados e acompanhados, o menor deslize pode prejudicar a sua carreira de uma forma drástica. Mas será que isso é realmente verdade?
A cultura do cancelamento é um conceito simples: O artista fez merda, por isso devemos ignorá lo, parar de consumir coisas dele e não aceitar mais sua opinião já que ele é babaca. Esse conceito por si já parece problemático, mas ele possui alguns detalhes maiores que não o tornam tão simples assim.
A exemplo, um artista é cancelado quando toma uma ação ruim perante seu público, essa ação pode ser desde algo pequeno como falar que não gosta de gatos, a ações realmente drásticas como agressão a um fã. Ambos são posturas ruins, porém é óbvio que a segunda tem um peso muito maior que a primeira, por isso tomar uma atitude contra esse artista é o mínimo que seu público deveria fazer, assim neste momento o cancelamento surge como uma resposta rápida, onde o público deixa claro que aquele artista não os representa mais, por isso sua existência deve ser apagada, seguir ele foi um erro, logo devemos eliminar o erro, ignorar ele nas redes sociais e impedir que a sua vida continue normalmente sem qualquer punição.
De certo modo isso parece justo, ou pelo menos seria, se as pessoas que julgaram o artista não fossem logo aquelas que o admiravam antes. Existe uma decepção aí, uma relação sentimental que complica o julgamento, causando um lixamento virtual muitas vezes desnecessário. Não estou dizendo que algo contra o artista não deve ser feito, mas o cancelamento se apresenta muito mais como uma descarga emocional eufórica, do que realmente uma punição a um indivíduo ruim.
Vários artistas e influencers são prejudicados dia e noite pelos críticos da internet, alguns realmente mereciam, alguns não, outros sentiram o peso do cancelamento, enquanto outros não mudaram muito sua vida. Um exemplo claro deste último é o ator Johnny Depp, o qual foi acusado de agredir sua ex esposa Amber Heard, Johnny foi cancelado na internet depois da ex esposa acusar ele de bater nela quando bebia, ela possuía algumas provas como por exemplo um vídeo. O ator teria no mínimo sua carreira prejudicada e no máximo uma prisão, porém sendo um ator de Hollywood isso não ocorreu. Apesar de estar fazendo menos filmes do que em seu auge, o ator é ainda convidado para protagonizar alguns papéis, além de responder o processo em total liberdade.
Veja então, Johnny foi cancelado, milhares de fãs pararam de seguir ele nas redes e até hoje se faz uma campanha pela sua prisão dele ou reparação á Amber, porém nada realmente mudou na vida dele. Então será que o cancelamento funcionou? Parece óbvio que não, mas ainda existem casos que essa atitude punitiva da internet prejudica artistas, um bom exemplo é o caso do cantor Rico Dalasam, o qual se envolveu em um processo pelos direitos de uma musica, um processo contra a cantora Pablo Vittar. Durante a época que o processo ocorreu um lixamento virtual vindo por parte dos fãs da Pablo e de uma parcela da comunidade LGBT+ foi direcionado ao Rico, em uma forma de cancelamento, mesmo ele cobrando um direito que era seu. A carreira de Rico não acabou, entretanto perdeu um número considerável de fãs e até mesmo alguns contratos devido a isso, pois como o público da Pablo e Dalasam eram parecidos, os produtores de eventos não desejavam ele, devido a isso alguns contratos foram perdidos e alguns eventos que Rico participaria tiraram ele da programação.
Rico Dalasam e Pablo Vittar (Reprodução)
Poderia ser citado o racismo presente aqui, onde o cancelamento parece ter funcionado exatamente com um artista negro, mas a questão aqui é a mais plural, existe um seletivíssimo em quem é prejudicado pelo cancelamento. E em geral esse seletivismo privilegia pessoas ricas, brancas e em grande parte homens.
Indivíduos com dinheiro tomam ações ruins a todo momento, porém não sofrem punições já que a grana impede isso. Pessoas negras perdem oportunidades por não concordarem com devido posicionamento, enquanto pessoas brancas lucram com o “arrependimento” de suas ações. Mulheres não conseguem espaço de destaque, enquanto homens fazem questão de demonstrarem que estão lá mesmo sendo julgados. E pessoas trans são o tempo todo invisibilizadas, enquanto o cara hetero cis alcançou o sucesso fazendo piadas com gays, todo dia alguém toma uma ação errado, porém o prejuízo de suas ações só se aparenta pra quem está em baixo.
No fim a cultura do cancelamento é útil, mas útil a uma classe arrogante específica, a um grupo de pessoas que por si só já não são prejudicadas na sociedade. Deve sim se responsabilizar as pessoas, é preciso reclamar, criticar e demonstrar que o indivíduo está errado, seja na internet ou na vida real, seja famoso ou anônimo, entretanto a “cultura do apagamento” - na minha opinião este seria um nome melhor pro cancelamento se ele funcionasse - vem só para fortalecer um apagamento social que já existe.
Então antes de cancelar alguém na internet, veja bem as consequências que isso causa, ou se realmente irá causar consequências. Pois em grande parte as pessoas estão fazendo isso por arrogância, sentimentalismo e mais ainda por uma decepção perante algo que gostavam e acreditava ser bom ou certo.
Referências
Vídeo: Você sabe o que é cultura do Cancelamento? Veja explica
Vídeo: Cultura do Cancelamento e Anacronismo - Mimimidias
Texto: O que é “Cultura do Cancelamento”? - BBC
Gostou do debate, ouça o nosso episodio 10 para um discussão mais profunda.
Cultura do cancelamento pra mim era evangélico em 2002 querendo que eu parasse de jogar Yu-Gi-Oh! porque as cartas eram do demônio.